segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Parasita Cerebral


             

               "O cérebro é o parasita ou o pensionista do organismo inteiro" (Schopenhauer)

               A consciência humana tornou-se tão perfeita, tão lúcida e aprimorada, prática, científica e proativa que ficou perceptível para toda a comunidade global que o cérebro, afinal, enquadrava-se na posição de parasita, e que todo o conhecimento alcançado, desde o início dos tempos até o derradeiro momento, fora o conhecimento que o tal parasita permitiu ao homem conhecer, assim como sonhos, lapsos, progresso e destruição, equilibravam-se numa gama de espaço minúsculo, cedido pelo governante, para melhor hospedá-lo.
            Não tardou para que em aulas de anatomia, antropologia, arqueologia, ufologia, filosofia e diversas outras egoicas “ias” trocassem o tão tradicional esquema fisiológico do ex-órgão e partissem para um arcabouço maquiavélico de tentáculos, brocas, ventosas, dentes, cérebros dentro de cérebros, e uma infinidade de instrumentos e partes de instrumentos inerentes ao parasita que eram utilizados para melhor adentrar no ser humano e usufruir de todos os seus fluidos corporais. Alguns especialistas mais extremados palpitaram que talvez o envelhecimento advenha exatamente desse vampirismo.
            Desde então, nunca mais se houve sossego na face da Terra. Como concordar com todo o desenrolar da episteme humana se fora tudo elaborado por tamanha abominação? O homem era doente desde que se lembrava e não sabia uma forma de curar-se. O consumo de drogas de todos os tipos tornou-se abusivo por uma quantidade cada vez maior de pessoas, assim como os suicídios ocorrendo à rodo. Seitas surgiram, umas demonizando, outras endeusando o cérebro. Algumas o colocavam em um pedestal, fedendo e às moscas, como o próprio Cristo na cruz, outras o consumiam, como faziam os antropofágicos em outra época, ou ainda outras, que as queimavam nas missas e nos cultos, em templos cheios de quadros com imagens de cérebros dentados. Os livros sagrados foram alterados, assim como as canções. Toda a arte se tornou cérebrocentrista. Só se conseguia pensar nisso, e na ideia de como não se existia pensar.
            Um novo fim do mundo foi traçado. Uma data foi marcada, cinco anos depois do fim do mundo previsto por alguma civilização extinta à milênios atrás, por um grupo cada vez mais crescente de ufologistas que acreditavam que os cérebros eram, afinal, alienígenas vindo à Terra para parasitar algumas formas de vida e quando a fonte secasse, partiriam para o próximo planeta, na sua nave escondida no núcleo. Dessa vez foi um surto coletivo. Nenhum humano globalizado confiava no seu pensamento. No dia marcado, os mortos, que se acumulavam nas ruas, foram escalpelados e tiveram os cérebros retirados, onde foram empilhados numa montanha de massa cinzenta da altura de um prédio de quatro andares, que foi queimada, formando uma gigantesca fogueira. Na hora marcada, todos se suicidaram, com um tiro ou uma punhalada na cabeça, exatamente onde a dor iria cessar. Os locais mais pensantes, os centros do conhecimento, agora se tornaram um cemitério intelectual, onde nenhuma intelectualidade poderia mais ser vista.
            Apenas as últimas tribos, ainda sem contato com o homem globalizado, sobreviveram. Não tomaram consciência de tal apocalipse, muito menos do advento desse deus absolutista. Permaneceram cultuando a chuva, o sol e as estrelas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário