sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Novo mundo


Somos azuis
E mirrados
Como as crianças do novo mundo
Somos velhos
E complexados
Como as crianças do novo mundo
Ásperos
E hostis
Embora cedamos ao réquiem do novo mundo

Minha mão que arde
Meu peito que apunhalaste
Meu ego que definhaste
Minha crença que secaste

Tudo isso me dói tanto
Mas tanto!
Enquanto olho teus olhos recatados
Enquanto vejo o pôr-do-sol do novo mundo

Tudo vai secar

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Mais romântico, menos autoral


... E Ainda ousas me telefonar?
Esqueceras que teu último suspiro foi aquele
que me tirou a vida?
[silêncio]
E aquela página de caderno
Na hecatombe dos nossos versos
Que prometiam trucidar o maior dos lordes de qualquer estrela?
Aaaaaah...
Se ao menos a metade dos teus olhos
- tão castanhos -
Marcassem uma hora do dia
- uma só -
Para remediar essa minha ânsia imbecil
Já me faria escravo teu
Mas
Se tenho que escolher
Entre ser viciado sem te ter
E ignorar-te sem te ter
Fecho meus olhos
(todas as metades deles)
Ergo meu braço magro:
“Garçom.
Duplo.
Sem gelo”.

sábado, 22 de outubro de 2011

Mr. Hall

                
            Entrei no ônibus às oito e meia da noite e antes mesmo de fazê-lo já sabia que aquilo tudo seria a minha morte.
            - Entre, seu velho filho da mãe! – disse o motorista. Chamava-se Mr. Hall e era cego de um olho. Perdeu a visão de um enquanto comia três de suas putas. Ninguém além dele e das três putas sabe o que aconteceu de fato, apenas que o coroa foi proibido de dirigir um automóvel há mais ou menos dois anos – Como andam as coisas? Arranjou um emprego? Parece feliz, não parece, crianças?
            - Sim, Mr. Hall! – um coro de crianças, todas igualmente sorridentes e vestidas e sentadas no fundo do veículo disseram em uma só voz.
            - Aconchegue-se, rapaz! Pegue uma bebida! Pegue uma garota! Estamos todos aqui para ir rumo ao céu, não é, rapazes?
            - Sim, Mr. Hall!
            - Não se preocupe, meu amigo – disse eu - Estou muito confortável aqui. Só estou passando por alguns problemas que logo vão sumir.
            - Que história é essa de problemas? Vejo tanta alegria na sua cara! E olha que tenho apenas um dos olhos! – disse Mr. Hall, gargalhando de si mesmo. Ajoelhada ao lado dele, uma moça, provavelmente uma de suas putas, lhe pagava um boquete.
            Enquanto observava tudo aquilo, uma mulher de cabelos vermelhos chegou-se lentamente a mim e me abraçou sensualmente.
            - Você não me ama mais? – foi o que ela disse – por que não me ama mais? Você disse que sempre me amaria, não foi, Mr. Hall?
            - Não sei. Foi, crianças?
            - Sim, Mr. Hall!
            - Sinto muito, moça, mas não me lembro de você – foi o que eu disse – mas se quiser que eu a ame, terei todo o prazer de o fazer.
            - Eu não quero nada de você, só que me ame! – disse ela – por que não ama? Havia prometido tantas vezes, mas tantas!
            A velocidade aumentava.
            Um pedaço de carne desliza no centro do veículo.
            - Se me permitir te amar, assim o farei.
            - Por que, pode me dizer? Amar, algo tão simples... Nem isso o faz!
            - Está cagando o pau, meu amigo! – disse Mr. Hall – se tivesse feito o seu papel de homem desde o início! Faltou tão pouco para que pudesse faturar esse pedaço de pecado! E agora, veja bem, meu amigo, irá perder a chance de ter um último prazer nessa sua medíocre vida! Há! Não é tudo uma bosta?
            - Como assim, ultima chance?
            - “Como assim, ultima chance?” – fez ele me imitando, dando um tom débil mental a minha voz – “Por que? Por que?” Ah, faz o favor, meu amigo!
            - ME AMA, PORRA! – gritava a moça a plenos pulmões – ME AMA, PORRA!
            A velocidade aumentava.
            O bolo de carne era uma orgia.
            O grito da moça remexia minha espinha.
            - Estamos todos à beira do inferno, não é, crianças?
            - Sim, Mr. Hall!
            - Será uma queda e tanto, não é, crianças?!
            - SIM, MR. HALL!!!
            - E tudo isso culpa do nosso amigo passageiro, não é, crianças?!
            - OH MEU DEUS, SIM, MR. HALL!!!
            - E RESPONDAM, PELO AMOR DE SEUS PAIS, ESTAMOS OU NÃO ESTAMOS FELIZES POR ISSO, CRIANÇAS???!
            - SIM! SIM! MINHA NOSSA, SIM, MR. HALL!!!
            - POIS APROVEITEM, MEUS AMORES, CHEGOU O MOMENTO MAIS IMPORTANTE DA VIDA DE VOCÊS E SERÁ RÁPIDO COMO UMA PICADA DE ABELHA!!!
            O ônibus escapou da pista e caiu abismo abaixo.
            Explodiu.
            Fim.

domingo, 16 de outubro de 2011

Demagogia


Se tudo é nada
Se tudo é pretexto
Para do nada se falar
E assim contextualizar
Um motivo para todo esse sofrimento
Apenas nada te dou
E assim me afasto
Confuso

sábado, 8 de outubro de 2011

Menina-flor


Se você, menina-flor,
Repete o mantra ancestral
A dor do cuspe de um filho
Corrói a tua imagem vestal
Por vezes a palavra errada
Faz o peito arder à crua
Carne solta fedendo a bosta
Dói a frouxa embocadura
Que chora

Tornar-se-á um fantasma
À sombra do teu destino
Se é de fazer acordo
Renega o teu próprio filho

Enxugando o soluço crivo
Sentirá teu sangue retornar
O sorriso bobo e lascivo
Pequenos e grandes lábios aflorar
E quando a noite te apunhalar
Lembra do sonho do mendigo
Que bêbado, te olhou e disse:
Não chore por seus mortos, menina flor
Reza à Deus, oh pai, todo poderoso
Lembrai-vos, oh senhor, dos vossos filhos!
Teu ventre ainda vai te dar uma penca de filhos!

Sem Título Provisório N°1


Eu acho que sou nada
Enquanto me vejo em tudo
Se admiro a minha invalidez
Assim demonstro a insensatez
Que eu insisto em esconder de mim

Mas se assim me faço inteiro
Ouso dizer que perco até os cabelos
Kafkiando o instante da reprovação
Internalizo o gozo da humilhação
Pedindo desculpas por existir!

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Lúgubre


O metrô vem às oito
Iluminando a estação.
Pessoas de rosto triste,
Eu, inclusive,
Observam o seu letreiro
Que meio veloz, meio sorrateiro
Me embaça na vista
E eu
Logo eu,
Que não amava ninguém
Deixei, às oito, o metrô ir-se embora
Sem poder ler o letreiro
Veloz e sorrateiro
Nunca mais

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A simbiose do Tabuleiro


-Cinza!
Cinza!
Cinza!
Eu
Cinza!
Apenas eu
Apenas cinza
Apenas isso
-Preto!
Preto!
Preto!
Tu
Preto!
Ausente da verdade
Ausente da verdade
Apenas preto
-O preto cega
meus olhos
cinzas
-Então eu lhe dou
o branco
-O branco expõe
as minhas feridas
cinzas
-E esse cinza, que
cega e fere?
-Mesmo assim ainda
é cinza
- Dor eterna?
- Costumeira
- Masoquista!
- Suportável
- Conformista!
- Agradável
- Otimista!
- Apenas cinza