domingo, 10 de junho de 2012

Coca-cola




Eu bebo de forma santa
Santificando tudo à minha volta
E inconscientemente rezo
Para ter-te sempre que me der vontade

Tu, que me desces tão bem à garganta
E que me rasga devagar, com carinho
Sinto a morte chegar suavemente
E anseio a hora do teu regresso

Oh, meu suntuoso esmero
Tomo-te como quem goza
E sem sintaxe alguma
Padeço em uma poça de você

Com um sorriso largo no rosto
Morri feliz

sábado, 9 de junho de 2012

O banquete das aranhas


Tão cedo começou a marcha fúnebre veio o tradicional banquete das aranhas. Grandes, pequenas, velhas, novas, solteiras e até as religiosas, tristes e galanteadoras, todas se reuniram na cripta do destino, onde preparavam uma noite onde o pecado da gula e, principalmente, o desejo do pecado, se fazia farto. A matriarca tratava de organizar os detalhes da grande noite. As convidadas, de se alojar nos seus respectivos lugares o mais rápido possível. Estavam todas extremamente ansiosas. Enquanto observavam aquele corpo indefinido e gosmento de sangue e nojeiras que se situava bem no meio da convenção. Era delicioso de morrer. Todas babavam, esfregavam as patas cabeludas e eriçavam os pelos mínimos. Aos poucos, os últimos lugares iam sendo preenchidos. A tensão comandava o ambiente. O som de mandíbulas e movimentos ia cessando  a medida que esperavam pela decisão da matriarca. Tal se posicionava junto ao alimento, dez vezes o seu tamanho. Quando fizesse o primeiro movimento e despejasse o líquido digestório real em cima do aglomerado, todas teriam o direito de partir para cima. Ah, e deus sabia como elas partiriam com o gosto dos gostos, com a sede de mil anos, a fome da última refeição. O movimento foi feito. As aranhas pularam. Por imitação, os movimentos ganhavam ritmo. Patas e suco digestório de dezenas, quase centenas de aranhas se misturavam numa dança para a saciação, e ao mesmo tempo, para a morte. A coisa se desmanchava. As aranhas jogavam os montes já digeridos para dentro. Mais para dentro. Mais comida. Mais Adentro. Chiavam, mexiam, se lambuzavam. Os milhares de olhos se reviravam. Os corpos se retorciam com prazer. As aranhas se esfregavam para tomar espaço. Se esgueiravam entre uma e outra, em cima, embaixo, formando um bolo que não se diferenciava. Patas acabavam se mutilando inevitavelmente pela pressão e serviam igualmente de alimento. Estavam famintas demais para parar. Excitadas demais para parar... Devoraram-se até a última aranha. A cripta ficou em silêncio. Os vermes trataram de cuidar dos restos mortais.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

O Poeta




O poeta
Por funcionar à base de lábios
Dispõe de um leque inigualável de agrados

Os lábios
Por funcionarem à base de poemas
Derretem-se à cada voz que o amor amamenta

Mas lábios estes
Amando mais a arte da conquista
Fazem do desencontro um dos seus maiores deleites
E da realidade um poeta saudosista

E o apaixonado
Que na vida só leva a poesia
Desmorona na embriaguez do jogo da amada
Escrevendo mais e mais à cada víscera

Pois o poeta também funciona à tristeza
E ao perceber nesse algoz brutal beleza
Entrega-se de cabeça ao lamento amargo

Refaz todo o seu trágico atestado
Enterra-se abraçado com a amada em um retrato
Desejando jamais ter cometido tal proeza

Mas enquanto prepara o veneno
Na esquina vê passando um lábio desconhecido
E antes que possa ver-se desfalecendo
Torna a viciar-se naquilo que lhe causou o destino

Pois o lábio pro poeta não é mais que um símbolo
Irmão da tristeza, da caneta e do vinho
Que, no fim, servirá como livro de cabeceira
De enfeite no bureau de um burguês mesquinho!

Acordes




Os campos de morango não voltarão jamais
Perdidos na graxa e na engrenagem fria
E a semente enterrada alimentará os animais
Que nada tem a ver com a nossa narrativa

O câncer que se espalhou, necrosando a vida
Afundará mais e mais os nossos sonhos
Calará de vez o poético som da cítara
Tornando os ceticismos cada vez mais medonhos

De tudo, só restará o excedente
Um baque surdo num tambor sem voz
E um grito louco da erva remanescente

Pois os campos foram loteados descentemente
Hospedando um palácio com tijolos de dinheiro
Que só desmoronará quando morrer toda essa gente!

Lobo Negro




Lobo negro
Tu que vives espreitando
Salvaguardado em um bunker
De pedra, carne e osso
Aviso-te tardiamente:
A zona nega o que tu és
E irá te escravizar, roubando
O basta da tua voz
Antes da alvorada
Cria vergonha na tua cara
Estupra o leito que te ronda
À colina, onde a alcateia se esconde
Chô! Chô!