terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Concretismo



Chega de concretismos!

De concreta já basta a vida!
De concreta já basta a morte!

Já basta a ferida cutucada por aquela unha deixada sempre grande!
Já basta a ideia que nunca vai ser apreendida como se quer!
Já basta o medo, que nos assombra ao passo das horas!
Já basta o segredo dos segredos, aquilo que nunca foi segredo
                        e que sempre estará no âmago de qualquer coisa!
Já basta o verbo, parceiro telepático que me estrangula à dentadas!
Já basta o universo, pai e mãe de um aborto racional chamado:

Chega!
Farto é pouco para definir o que quer que seja.
Morreu o assunto.
A noite mal começou e hoje eu quero me iludir até a tampa.

Garça


                          Então, diante dos grandes jogos 
                                      rudimentares e anárquicos,
                                                                a garça bran
                                                                 ca do norte 
                                                                começou a 
                                                                se mover 
                                                              poderosa
                                                             mente na
                                                            velocidade 
                                                            da luz. De
                                                             vagar, gra
                                                               ciosamente e ondulante, saudou tudo
                                                              que admirava, dando um surpreendente 
                                                           grito ardente e voando livremente em direção 
                                                                         ao horizonte. Ao que parece, ou se
                                                                               ouviu dizer, nunca mais voltou. 
                                                                                            Tão rápido foi embora, 
                                                                                                               saudades
                                                                                                                   deixou.
                                                                                                                       Que
                                                                                                                        sau
                                                                                                                         da
                                                                                                                         de!

Eros


EROS

__________                     __________
Eu            Tu
Eu      Tu
EuTu
Teu
Étereo
Útero

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O que seria?


           
             Acordei de madrugada sentindo uma sede infernal, como de costume. Fazia isso todas as noites, mais ou menos no mesmo horário (que afinal eu sempre esquecia exatamente). Levantei. O sono me impediu de resvalar naquilo que possa se chamar inteligência e fez com que não me lembrasse de acender nenhuma luz. Não foi difícil chegar à cozinha. Fazia aquele trajeto de olhos fechados quase todos os dias. A única diferença é que, ao chegar, tinha um vulto gigantesco parado na minha frente. Era compulsivamente grande, com a cabeça encostada no teto e os pés pareciam esticados além do chão, como se fosse mole e não fosse o seu final que estivesse apoiando-o, mas uma parte antes dele. Seus braços igualmente grandes e moles, assim como seu tronco e seu rosto. Parecia ter mais membros do que uma pessoa, de fato. Não era uma pessoa, percebi isso assim que encostei o olho nele. O mais estranho foi, talvez, deparar-me com a surpresa dele refletida na reação a me ver, tão surpreso quanto eu fiquei. Seu corpo pareceu perpassado por uma corrente elétrica que o estremeceu e o fez parar o que estava fazendo. Encaramo-nos por alguns segundos, naqueles segundos que todo mundo sabe que são excessivamente longos, mas que, por incrível que pareça – talvez seja o fato mais triste neles –, passam.
               E passaram.
            A criatura pareceu mais mole do que o de costume, de uma estrutura quase coloidal. Seu corpo esticou-se mais e mais, a ponto de tornar-se uma gosma uniforme e preta que se estendia por metade da cozinha. Num jato de agonia – acompanhado de um grito agudo – adentrou por minha goela abaixo. Todo aquele monstro de dois metros e pouco, um enorme monte de pudim preto, uma caixa d’água repleta de lama barrenta ou uma fossa entupida de bosta, tudo penetrando em minha garganta num processo derivado do vômito, mas ao contrário. Não sei o motivo, mas lembrei de quando era criança. Um mal estar assombroso apossou-se do meu corpo.
            Voltei pra cama. Nunca mais tive ereção ou ânimo para qualquer coisa. Só lembro que, no momento que ele adentrava, seu chiado fino fez algum sentido em meu cérebro, e ele dizia: você nunca mais vai ser feliz. Serei sua sombra, ao seu lado enquanto caminha por entre o mundo, vagabundando em busca do que quer que seja. Não sentirá vontade de trabalhar, ou de ter uma garota, ou mesmo de se alimentar. Não que seu desejo não exista mais. Eu simplesmente vou devorá-lo todo, enxugarei isso que pra mim é alimento até que morra.
            Ele não voltou a falar comigo, por isso achei que pudesse estar louco, ou que tivesse tudo sido um sonho. Tantos anos depois, às vezes paro pra pensar se tudo isso não foi só uma desculpa para que pudesse me tornar o inválido que sou hoje. Mas pensar nessas coisas dói tanto!

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Falta


Eis-me no mais profundo desencanto.
Lamento num canto,
cantando baixinho o meu descontentamento.
Qual enquanto o que queria, aguento.
Parafraseando quem quer que cante
(ou mesmo até quem não cante, tanto faz)
articulo a esmo a ausência que se fez atroz,
usufruindo do único grito que o eu lírico conclama:
Fodeu!

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Fortuito desprazer


E vi deus e o diabo colidindo-se no céu em um combate de bilhões de anos.
Eu vi uma multidão de pecadores decepando-se em oferenda ao apocalipse.
Eu vi mães atirando os seus bebês embaixo de velozes mercedes, que passavam espirrando sangue em todos que estavam perto.
Eu vi anjos fazendo cirurgia de troca de sexo e tatuando trechos da bíblia, contornados por alguma porcaria tribal (ou algo semelhante a isso).
Eu vi canções serem escutadas por pessoas que morriam só em ouvir os primeiros versos sendo proferidos.
Eu vi mulheres que gozavam ouro no formato de fetos abortados.
Eu vi tentáculos brandirem para o céu como espadas em combate, enquanto enormes receptáculos hipocondríacos tentavam abocanhá-los.
Eu vi megalomaníacos prometendo um pouco do esperma divino em troca de ilhas caribenhas que nem existiam mais.
Eu vi o céu se rasgando em quatrocentas mil fatias, regurgitando para dentro da Terra todo tipo de animosidade extraterrestre.
Eu vi a humanidade em desespero, boiando num oceano de lágrimas aflitas, certas do fim do mundo, mas sem aceitá-lo.
Morri, assim como todos os mortais, sem saber o fim.
Que inferno!

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Duas prostitutas


            
       Duas prostitutas fogosas (e loucas para descolar aquela grana que renderia uma boa picada) caminhavam por uma avenida mal iluminada na calada da madrugada, seguindo um homem que também caminhava e que encontrava-se quase no fim de onde a vista alcançava. Seria o alvo ideal, pensava uma. Andando a essa hora na rua, não deve estar procurando uma igreja, pensava a outra. Vai ser uma foda daquelas, pensavam as duas. Com sorte, convenceremos o carinha a nos comer ao mesmo tempo. Orgia a gente pode cobrar o quádruplo do preço, claro. E aí, quando a recompensa viesse... Arrepiavam-se só de pensar.
            Quilômetros foram percorridos, ruas nunca antes vistas surgiam e o tal homem não parecia nem um centímetro sequer mais perto. Era estranho, porque como estava tão longe não dava para ver suas pernas se mexendo. Com o olhar devido, parecia que estava parado, no mesmo canto de quando foi visto pela primeira vez.
            Mas não desistiriam, ora bolas! Já tinham andado tanto para trepar com o sujeito que não ousariam parar. Talvez cobrassem mais ainda pelo transtorno pelo qual estavam passando. Ah, mas vai ter que compensar cada passo, pensava uma. Se ele nos rejeitar vai ser apedrejado, pensava a outra. Mesmo distante, a mais nova, mal saída da adolescência, sentia a boca salivar, pensando na sujeira que fariam.
            A noite foi trocada pelo dia, e as ruas se encheram de pessoas matutinas, correndo para os seus trabalhos. Alguns homens olhavam as moças com desejo animalesco, mesmo não sendo lá tão atraentes. Outros chegavam a assobiar, até mesmo a parar e chamar para conversar em um lugar mais discreto. Não, obrigado. Depois de tudo, aquele cara vai ter que pagar. Para o bem ou para o mal, terá a transa mais escrota da vida dele. Mas nem um avanço sequer. O homem encaixava-se no horizonte como um retrato impressionista, estático e perfeito, sem virar-se em momento algum.
            Outro dia se passou, assim como outro, seguido de outro. O fogo que ardia entre as pernas, ao invés de diminuir, só aumentava. Cidades foram cruzadas, assim como milhares de pessoas e de olhares. A fome e a sede batiam imperdoáveis. Dia após dia, noite após noite, o mesmo argumento. Fomos longe demais para voltar atrás.
            Num determinado momento, uma delas – a mais nova – caiu de exaustão. A outra, por imitação, fez o mesmo. Chorando de raiva e de dor, com os estômagos rasgados pelo suco gástrico e com as vestes imundas de urina e fezes, contorciam-se no chão. O corpo pedia a heroína alucinadamente, assim como todas as outras necessidades fundamentais. Era impossível continuar.
            Enquanto o choro corria solto, a mais velha olhou o horizonte – como quem implora o último pedido – e viu algo diferente. O homem agora não só parecia se mexer, como sua silhueta aumentava aos poucos. Estava se aproximando! Não havia como dizer se tinha felicidade nesse acontecimento, porque a dor era tão grande que parecia bloquear qualquer sensação – exceto o fogo. O homem chegou mais perto, perto o bastante para passar a parecer uma mulher. Na verdade, parecia um homem e uma mulher ao mesmo tempo. Suas vestes eram de uma cor nunca antes vista, assim como o seu rosto, iluminado pelo sol do meio-dia, não conseguia parecer com nada. Não só era algo novo. Realmente era nada. Ao chegar onde elas estavam, disse: estou preparado. Vocês estão? As duas, no último suspiro, conseguiram esboçar um brilho de felicidade. O homem deitou por cima das duas.
            De frente para o penhasco que delimitava o fim do mundo, os três fizeram a orgia das orgias, escrita num linguajar inexistente, inexprimível por qualquer expressão humana. Rolaram para o abismo e permaneceram abraçados, os três, caindo em direção ao nada, em um orgasmo infinito.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Será?

Eu faço poesia porque a poesia me incomoda.
Muito mais do que um chilique,
jogo na minha cara tudo aquilo que não sei dizer quando quero.

Por isso o poeta, acima de tudo, é.

Mas se aqui estou me justificando
e explicando justamente o que disse não saber,
não devo ser uma fonte muito confiável.

Sou?

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

(des)estrume


Minha amante pálida ressoa na inconsistência que costumo ser - pai da
minha dormente adolescência e filho da enevoada infância - e configura-se naquilo
que, para mim, configura-se em
nada.
Escuto faltar os neurônios à minha amante.
Cedo-lhe um calmante dos mais alcoólicos, regido por uma divindade
provavelmente pré-colombiana, bruxa morta
refletida em alto-relevo, auto-retrato.
Pff.
- Alto lá!
        A bruxa, que jaz dopada em satisfação em algum botequim insípido, não quer mais voltar ao
espelho.
Sem a bruxa, ele não existe.
Sem o espelho, nenhuma babaquice dessas faz sentido.
E a amante, que não passa de um reflexo que em mim contive,
nunca existiu.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Sonho que tive



Queria escrever sobre o sonho que tive,
Mas o sonho que tive,
Antes que pudesse tomar nota,
Partiu.
Onde estará aquela pomposa silhueta onírica?
Silhueta que dança perante a minha sina
E que me deixou atordoado com tamanho fascínio?
Colidiu.
Colidiu igual os seus iguais inigualáveis?
Sonhos lancinantes de deleites intragáveis em vigília?
Ou algozes de orgasmáticas agonias
Feitos de plástico e o que quer que lembre o estado de espírito
Que mostra a inexistência deste?
Me iludiu.
Me iludiu perante um tribunal de três instâncias:
Id,
Ego,
Superego
E todos os seres do universo, aglomerados numa sinfonia perpétua
Que concretizou a completude divina existente dentro de cada sonhar.
Mas já são oito e meia.
O café quente dança em minha língua.
O sonho agora não passa de uma névoa cinza.
Ah, como eu queria escrever sobre o sonho que tive!