terça-feira, 28 de maio de 2013

O Coçar


Era uma coisa luminosa branco-celestial de uma pureza difícil de descrever em palavras. Uma imensidão sem fim recoberta por uma completude alva, emanada de uma torre, poste divino de beleza sem igual, jorrando no que quer que seja uma onda de energia quase corpórea. A coisa preenchia, recobria cada aresta, ranhura, rachadura, indefinição, imperfeição, declive. Escorava-se no mundo como uma mãe que abraça o filho.
Entretanto, algo coçava.
Havia alguma coisa que não era branca no meio de tamanha claridade. Alguma coisa não emanava pureza, muito menos parecia ser feita da mesma matéria que tudo aquilo.
Mas não estava.
Tudo ali estava, mas isto não estava. O poste, figura inerte e perfeita, nada podia fazer, já que já fazia tudo. Aquela obra-de-arte era ignorante ao seu esqueleto. A torre era oca, e dentro uma coisa espremia-se. Pulsava, apertada e sem espaço, como o pus de uma espinha. Coça. Coça. Queria estar fora e sentir pelas suas partes o calor reconfortante da luz corpórea, mas como uma criança presa em um buraco, não conseguiria sair sozinha. Contorcia-se, mas o espaço não lhe dava brecha alguma para movimentar-se. Não havia forma de sair. Como uma pintura, o seu lugar era aquele, preso dentro de algo que não poderia jamais entender, apenas ansiando um dia estar fora, sentir aquilo que lhe era apenas uma esperança de o que quer que seja.
Continuaria pulsando. Vai que uma hora o esforço seria recompensado. Num universo paralelo, ou numa outra arte surrealista, a coisa bem que poderia inflar e explodir toda a torre, que tombaria junto com toda a sua magnitude e sua luminosidade cessaria, preenchendo o infinito de trevas e escuridão. Com a luz apagada, uma entidade liberta, emanante de luz própria, encandearia um brilho forte, mas único e focado. Um brilho com o intuito único de brilhar para si, satisfazer-se e ser a única coisa brilhante naquilo que nunca teria fim. O centro de toda a existência.
Mas não neste universo. Neste a coisa continua a pulsar, numa estrutura tão resistente que nada a libertará, mas ela não sabe. Não havia tempo nisso tudo. Nem dia, nem noite.

Nada nunca aconteceu de verdade.

terça-feira, 26 de março de 2013

Das recorrências da Morte




(I)

Aqui me venho ao ato
Pálido, um escandinavo, mosaico do infinito
Esgueiro-me, afirmado na muleta da reminiscência
Sendo vós, por mais mal amada que possa ser a minha imago
Tu és eu, por pior que deva ser a tormenta do esquecimento
Sois ingratos

(II)

Padeço no avesso ao descontentamento,
Assim como meu tempo nunca existiu
Ergo-me falante, falange espectral ao vento,
Que por ventura perdura em teu onírico

Adormeço, advinda a vitória conquistada
Em prol daquilo que faleceu em ti
Mas meu vício governa e governará
Acima de qualquer força deste universo ou além dele

Sou o âmago do gênesis, pilar da metáfora e da metonímia
Sou a espera perante os sete juízes da galáxia
E tua postura egoísta depende única e exclusivamente da minha

Sou o menino errado que um dia se fez ateu
Sou o medo do réquiem amargo e ignorante ao teu chilique
Sou a mãe das mães, a Morte que hoje te leva e que outrora te concebeu

(III)

Lamento
Amém.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Título?

















                                                       Quis escrever a mais perfeita poesia,
                                                       Mas quem diria...
                                                       Engasguei.



















sexta-feira, 15 de março de 2013

Pornografia Japonesa


Quero permissão para pedir a benção à nova geração
A geração consumista de poemas,
Que compra versões descartáveis de Drummond e Abreu
Kafka, Goethe e Nietzsche para estressados
Que consome pornografia japonesa,
Aninhados na autodefesa do suposto eterno sorrir
Buscando o que acham ser verídico
A geração das drogas inenarráveis
Que de tão narráveis que são
Não revelam nada
Será?
Quero pedir a benção a tudo que é de bolso
Pequeno, pocket, diminuto
Informação dentro de carteiras de cigarro
Cercada de hipsters requebrantes na linha do infinito
Seguidores de uma desordem análoga a ordem
(Que me remete a não sei o que lá de um cardíaco)
Quero compartilhar a minha agonia com o mundo
Para que o cheiro seja sentido no horizonte
Longe, perto do nem sei se há
Onde a esperança ainda existe
E que o cheiro possa avisar que aqui ninguém vive mais
Pois somos abençoados pela nova geração
Cristãos pagãos escravos do minimalismo
Amaldiçoados a expressar a dor na menor sentença possível
Dói.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Abraço


            O abraço que me acolhe
Dor, em qualquer estado de espírito
Transita em minha glândula pineal
E numa transa pequenina
Perpassa minhas entranhas frias gentilmente
Forçando-me ao acalanto da noite mórbida
            Pena que esse abraço
Pai de todo o metamorfo metafórico
Desdiz o seu próprio verbo
Estraçalha os sóbrios num êxtase exotérico
Mostrando o cinza exposto ao Louvre
            Ninguém ousa roubar a coisa
(só em pensamento)
Visto que é ela quem te abraça
Mas ousemos da forma que Ícaro almejou
Pois o que determina o sentido da andança
É o inverso subversivo ao normal

O absurdo está no erotismo das coisas irreais



quinta-feira, 7 de março de 2013

Whatsapp



Oi. Não consigo dormir. Deitei de bruços, observando a figura patética do travesseiro puído. Não fazia sentido pensar em tudo aquilo que eu te falei de tarde, logo naquela hora da noite, logo em um estado de sono que dentro de poucos minutos me levaria para a mais desejável paz ou para a mais excruciante agonia. Então porque essa inconstância, essa volúpia de medo e insegurança que me doma as rédeas por volta das uma e meia da madrugada? Meu desespero não me obedece, assim como toda a suplicante humanidade, que chora para esse deus calado uma resposta, ou quem sabe só um bisturi e uma precisão cirúrgica. Um avanço na medicina, a descoberta do século, detentora da solução para toda a complexidade do universo... Quanta babaquice. Ninguém vive o suficiente para ver esperança na vida. A porra do túnel te alcança estando feliz ou triste, e o seu estado de espírito não vai fazer diferença pro senhor e senhora minhocas na hora do lanche. (...) Bom, e daí? Não sei. Alguns não se preocupam com isso, o que eu acredito ser uma coisa e tanta. Mais uma vez, e daí? Será que o mundo se resume a essa pequena expressão simples e mal amada? Talvez. Talvez eu não esteja nem mesmo vivo. Talvez o verbo nem exista. Talvez estejamos na Matrix, sendo consumidos até a última gota por uma metáfora razoavelmente bem elaborada do estilo de vida que acredito fazer parte de um conglomerado de insetos insignificantes para o universo. Ou talvez eu só esteja errado, irremediavelmente errado, e qualquer uma das minhas ideias nada são além de lixo. Prefiro pensar que só estou com sono. A humanidade não vai durar muito, assim como essa madrugada ou a bateria do meu celular. Boa noite.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Coca-cola n°3



E foi justamente quando a humanidade mais crescia e evoluía, crente de toda a pompa necessária para a autossuficiência, autoerotismo, auto o caralho de asas, etc., etc., etc., que algum maluco diagnosticado bossalmente com psicopatia ou o que quer que valha assassinou sete pessoas em uma mercearia de esquina da mais baixa qualidade atrás de coca-cola. Preso em flagrante, declamou uma ode ao produto, que retumbou como uma confirmação da supremacia da privatização da organização da forma da autossuficiência da autoindulgência da automalemolência da... Dignidade aderida da forma mais baixa possível, o homem gerou controvérsias. Escreveu um livro. Pousou nu. Plantou uma árvore. Foi proclamado o rei do submundo. O mundo que era sub, sub que significa embaixo. O mundo que era baixo, mais baixo que qualquer mundo individual. Hare krishna, dinheiro, fama, poder, sexo, sexo, sexo... Se matou, como todo ídolo pop, vítima do próprio monstro que criou, cujo não pôde mais escapar. Babacas em todo o mundo trataram de proclamá-lo o homem mais importante da história. Seu elixir sagrado refletia neles mesmos. Pela primeira vez, sem máscaras, sem censuras, um câncer osteoporótico os abraçava feito mãe. E isso dava um prazer tão grande que o grito de gozo podia chegar aos céus, captado via ondas de alguma partícula ainda não interpretada pelo homem por alguma raça que já superou a bebida do diabo e que vive em mais perfeita harmonia. Se fosse feito um retrato, podia-se ver um bilhão de rostos sorridentes, com dentes enormes e careados, quase rasgando os cantos da boca, numa ereção constante e num gemido uníssono, coral interestelar que comandava tudo o que restava da magnificência terrestre. Uma chuva fina caía, feita de coca-cola, monóxido de carbono e sêmen, provavelmente do Marilyn Manson, que já tinha tatuado na virilha o rosto do assassino. Caía mansinho, molhando uma família de esquilos, que se abrigaram em velhos carvalhos até que pudessem sair e ver o sol nascer reluzente.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Concretismo



Chega de concretismos!

De concreta já basta a vida!
De concreta já basta a morte!

Já basta a ferida cutucada por aquela unha deixada sempre grande!
Já basta a ideia que nunca vai ser apreendida como se quer!
Já basta o medo, que nos assombra ao passo das horas!
Já basta o segredo dos segredos, aquilo que nunca foi segredo
                        e que sempre estará no âmago de qualquer coisa!
Já basta o verbo, parceiro telepático que me estrangula à dentadas!
Já basta o universo, pai e mãe de um aborto racional chamado:

Chega!
Farto é pouco para definir o que quer que seja.
Morreu o assunto.
A noite mal começou e hoje eu quero me iludir até a tampa.

Garça


                          Então, diante dos grandes jogos 
                                      rudimentares e anárquicos,
                                                                a garça bran
                                                                 ca do norte 
                                                                começou a 
                                                                se mover 
                                                              poderosa
                                                             mente na
                                                            velocidade 
                                                            da luz. De
                                                             vagar, gra
                                                               ciosamente e ondulante, saudou tudo
                                                              que admirava, dando um surpreendente 
                                                           grito ardente e voando livremente em direção 
                                                                         ao horizonte. Ao que parece, ou se
                                                                               ouviu dizer, nunca mais voltou. 
                                                                                            Tão rápido foi embora, 
                                                                                                               saudades
                                                                                                                   deixou.
                                                                                                                       Que
                                                                                                                        sau
                                                                                                                         da
                                                                                                                         de!

Eros


EROS

__________                     __________
Eu            Tu
Eu      Tu
EuTu
Teu
Étereo
Útero

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O que seria?


           
             Acordei de madrugada sentindo uma sede infernal, como de costume. Fazia isso todas as noites, mais ou menos no mesmo horário (que afinal eu sempre esquecia exatamente). Levantei. O sono me impediu de resvalar naquilo que possa se chamar inteligência e fez com que não me lembrasse de acender nenhuma luz. Não foi difícil chegar à cozinha. Fazia aquele trajeto de olhos fechados quase todos os dias. A única diferença é que, ao chegar, tinha um vulto gigantesco parado na minha frente. Era compulsivamente grande, com a cabeça encostada no teto e os pés pareciam esticados além do chão, como se fosse mole e não fosse o seu final que estivesse apoiando-o, mas uma parte antes dele. Seus braços igualmente grandes e moles, assim como seu tronco e seu rosto. Parecia ter mais membros do que uma pessoa, de fato. Não era uma pessoa, percebi isso assim que encostei o olho nele. O mais estranho foi, talvez, deparar-me com a surpresa dele refletida na reação a me ver, tão surpreso quanto eu fiquei. Seu corpo pareceu perpassado por uma corrente elétrica que o estremeceu e o fez parar o que estava fazendo. Encaramo-nos por alguns segundos, naqueles segundos que todo mundo sabe que são excessivamente longos, mas que, por incrível que pareça – talvez seja o fato mais triste neles –, passam.
               E passaram.
            A criatura pareceu mais mole do que o de costume, de uma estrutura quase coloidal. Seu corpo esticou-se mais e mais, a ponto de tornar-se uma gosma uniforme e preta que se estendia por metade da cozinha. Num jato de agonia – acompanhado de um grito agudo – adentrou por minha goela abaixo. Todo aquele monstro de dois metros e pouco, um enorme monte de pudim preto, uma caixa d’água repleta de lama barrenta ou uma fossa entupida de bosta, tudo penetrando em minha garganta num processo derivado do vômito, mas ao contrário. Não sei o motivo, mas lembrei de quando era criança. Um mal estar assombroso apossou-se do meu corpo.
            Voltei pra cama. Nunca mais tive ereção ou ânimo para qualquer coisa. Só lembro que, no momento que ele adentrava, seu chiado fino fez algum sentido em meu cérebro, e ele dizia: você nunca mais vai ser feliz. Serei sua sombra, ao seu lado enquanto caminha por entre o mundo, vagabundando em busca do que quer que seja. Não sentirá vontade de trabalhar, ou de ter uma garota, ou mesmo de se alimentar. Não que seu desejo não exista mais. Eu simplesmente vou devorá-lo todo, enxugarei isso que pra mim é alimento até que morra.
            Ele não voltou a falar comigo, por isso achei que pudesse estar louco, ou que tivesse tudo sido um sonho. Tantos anos depois, às vezes paro pra pensar se tudo isso não foi só uma desculpa para que pudesse me tornar o inválido que sou hoje. Mas pensar nessas coisas dói tanto!

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Falta


Eis-me no mais profundo desencanto.
Lamento num canto,
cantando baixinho o meu descontentamento.
Qual enquanto o que queria, aguento.
Parafraseando quem quer que cante
(ou mesmo até quem não cante, tanto faz)
articulo a esmo a ausência que se fez atroz,
usufruindo do único grito que o eu lírico conclama:
Fodeu!

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Fortuito desprazer


E vi deus e o diabo colidindo-se no céu em um combate de bilhões de anos.
Eu vi uma multidão de pecadores decepando-se em oferenda ao apocalipse.
Eu vi mães atirando os seus bebês embaixo de velozes mercedes, que passavam espirrando sangue em todos que estavam perto.
Eu vi anjos fazendo cirurgia de troca de sexo e tatuando trechos da bíblia, contornados por alguma porcaria tribal (ou algo semelhante a isso).
Eu vi canções serem escutadas por pessoas que morriam só em ouvir os primeiros versos sendo proferidos.
Eu vi mulheres que gozavam ouro no formato de fetos abortados.
Eu vi tentáculos brandirem para o céu como espadas em combate, enquanto enormes receptáculos hipocondríacos tentavam abocanhá-los.
Eu vi megalomaníacos prometendo um pouco do esperma divino em troca de ilhas caribenhas que nem existiam mais.
Eu vi o céu se rasgando em quatrocentas mil fatias, regurgitando para dentro da Terra todo tipo de animosidade extraterrestre.
Eu vi a humanidade em desespero, boiando num oceano de lágrimas aflitas, certas do fim do mundo, mas sem aceitá-lo.
Morri, assim como todos os mortais, sem saber o fim.
Que inferno!

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Duas prostitutas


            
       Duas prostitutas fogosas (e loucas para descolar aquela grana que renderia uma boa picada) caminhavam por uma avenida mal iluminada na calada da madrugada, seguindo um homem que também caminhava e que encontrava-se quase no fim de onde a vista alcançava. Seria o alvo ideal, pensava uma. Andando a essa hora na rua, não deve estar procurando uma igreja, pensava a outra. Vai ser uma foda daquelas, pensavam as duas. Com sorte, convenceremos o carinha a nos comer ao mesmo tempo. Orgia a gente pode cobrar o quádruplo do preço, claro. E aí, quando a recompensa viesse... Arrepiavam-se só de pensar.
            Quilômetros foram percorridos, ruas nunca antes vistas surgiam e o tal homem não parecia nem um centímetro sequer mais perto. Era estranho, porque como estava tão longe não dava para ver suas pernas se mexendo. Com o olhar devido, parecia que estava parado, no mesmo canto de quando foi visto pela primeira vez.
            Mas não desistiriam, ora bolas! Já tinham andado tanto para trepar com o sujeito que não ousariam parar. Talvez cobrassem mais ainda pelo transtorno pelo qual estavam passando. Ah, mas vai ter que compensar cada passo, pensava uma. Se ele nos rejeitar vai ser apedrejado, pensava a outra. Mesmo distante, a mais nova, mal saída da adolescência, sentia a boca salivar, pensando na sujeira que fariam.
            A noite foi trocada pelo dia, e as ruas se encheram de pessoas matutinas, correndo para os seus trabalhos. Alguns homens olhavam as moças com desejo animalesco, mesmo não sendo lá tão atraentes. Outros chegavam a assobiar, até mesmo a parar e chamar para conversar em um lugar mais discreto. Não, obrigado. Depois de tudo, aquele cara vai ter que pagar. Para o bem ou para o mal, terá a transa mais escrota da vida dele. Mas nem um avanço sequer. O homem encaixava-se no horizonte como um retrato impressionista, estático e perfeito, sem virar-se em momento algum.
            Outro dia se passou, assim como outro, seguido de outro. O fogo que ardia entre as pernas, ao invés de diminuir, só aumentava. Cidades foram cruzadas, assim como milhares de pessoas e de olhares. A fome e a sede batiam imperdoáveis. Dia após dia, noite após noite, o mesmo argumento. Fomos longe demais para voltar atrás.
            Num determinado momento, uma delas – a mais nova – caiu de exaustão. A outra, por imitação, fez o mesmo. Chorando de raiva e de dor, com os estômagos rasgados pelo suco gástrico e com as vestes imundas de urina e fezes, contorciam-se no chão. O corpo pedia a heroína alucinadamente, assim como todas as outras necessidades fundamentais. Era impossível continuar.
            Enquanto o choro corria solto, a mais velha olhou o horizonte – como quem implora o último pedido – e viu algo diferente. O homem agora não só parecia se mexer, como sua silhueta aumentava aos poucos. Estava se aproximando! Não havia como dizer se tinha felicidade nesse acontecimento, porque a dor era tão grande que parecia bloquear qualquer sensação – exceto o fogo. O homem chegou mais perto, perto o bastante para passar a parecer uma mulher. Na verdade, parecia um homem e uma mulher ao mesmo tempo. Suas vestes eram de uma cor nunca antes vista, assim como o seu rosto, iluminado pelo sol do meio-dia, não conseguia parecer com nada. Não só era algo novo. Realmente era nada. Ao chegar onde elas estavam, disse: estou preparado. Vocês estão? As duas, no último suspiro, conseguiram esboçar um brilho de felicidade. O homem deitou por cima das duas.
            De frente para o penhasco que delimitava o fim do mundo, os três fizeram a orgia das orgias, escrita num linguajar inexistente, inexprimível por qualquer expressão humana. Rolaram para o abismo e permaneceram abraçados, os três, caindo em direção ao nada, em um orgasmo infinito.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Será?

Eu faço poesia porque a poesia me incomoda.
Muito mais do que um chilique,
jogo na minha cara tudo aquilo que não sei dizer quando quero.

Por isso o poeta, acima de tudo, é.

Mas se aqui estou me justificando
e explicando justamente o que disse não saber,
não devo ser uma fonte muito confiável.

Sou?

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

(des)estrume


Minha amante pálida ressoa na inconsistência que costumo ser - pai da
minha dormente adolescência e filho da enevoada infância - e configura-se naquilo
que, para mim, configura-se em
nada.
Escuto faltar os neurônios à minha amante.
Cedo-lhe um calmante dos mais alcoólicos, regido por uma divindade
provavelmente pré-colombiana, bruxa morta
refletida em alto-relevo, auto-retrato.
Pff.
- Alto lá!
        A bruxa, que jaz dopada em satisfação em algum botequim insípido, não quer mais voltar ao
espelho.
Sem a bruxa, ele não existe.
Sem o espelho, nenhuma babaquice dessas faz sentido.
E a amante, que não passa de um reflexo que em mim contive,
nunca existiu.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Sonho que tive



Queria escrever sobre o sonho que tive,
Mas o sonho que tive,
Antes que pudesse tomar nota,
Partiu.
Onde estará aquela pomposa silhueta onírica?
Silhueta que dança perante a minha sina
E que me deixou atordoado com tamanho fascínio?
Colidiu.
Colidiu igual os seus iguais inigualáveis?
Sonhos lancinantes de deleites intragáveis em vigília?
Ou algozes de orgasmáticas agonias
Feitos de plástico e o que quer que lembre o estado de espírito
Que mostra a inexistência deste?
Me iludiu.
Me iludiu perante um tribunal de três instâncias:
Id,
Ego,
Superego
E todos os seres do universo, aglomerados numa sinfonia perpétua
Que concretizou a completude divina existente dentro de cada sonhar.
Mas já são oito e meia.
O café quente dança em minha língua.
O sonho agora não passa de uma névoa cinza.
Ah, como eu queria escrever sobre o sonho que tive!