terça-feira, 7 de janeiro de 2014


Sinto a piada me consumir por dentro. Uma piada que só eu rio, torto e esquisito, diante de feições sérias
e decepcionadas. Meu ato foi desaprovado, meus acompanhantes sumiram. O pior de tudo é perceber que o que
faz e fará falta será apenas a minha própria auto satisfação. Sempre. Caminho numa avenida escura, sei lá
que horas da noite. Esses pensamentos fervilhavam, mais do que o barulho dos automóveis ou do asfalto
quente que pisava e atravessava a sola do meu sapato. O céu pendia morto e sem estrelas, num opaco
deprimente e penoso. O neon nos edifícios debochava disso. Tentei imaginar quantas cenas doentias estavam
acontecendo exatamente naquele momento. Quantas pessoas não estariam sendo assassinadas? Estupradas?
Pedófilos, psicopatas, um bando de psico não sei das quantas trancados entre quatro paredes, salvaguardados
de qualquer julgamento moral, praticando uma infinidade de atrocidades inimagináveis enquanto posso
caminhar sossegado nessa cidade fedorenta, lamentando os meus problemas idiotas, me autolambuzando nessa
masturbação mental cíclica. Paro numa esquina. Sem placas com nomes de rua. Um beco à esquerda. Sem luz
nenhuma. Entro. Aquele era um daqueles momentos em que você acha que tem motivo para querer foder com
tudo e com todo o universo e te faz querer consumir o alimento mais podre e com mais cara de lixo disponível.
Sim. A rua estava vazia, repleta de sacos de lixo, rasgados por alguns animais ou por gente. Tanto faz.
Cheguei ao fim, marcado por um muro de tijolo exposto. Não tinha ninguém me olhando. Ninguém para ver o quão
ousado eu estava sendo. Porra, que diabos eu fazia ali? Parecia uma criança que bate o pé e força choro para
ganhar atenção. Sentei, recostado ao muro, pensando na idiotice que era aquilo tudo e do quão patética era
a pena que sentia de mim mesmo. Clamei por um Deus Ex Machina, sentado em uma poça de - queira deus que seja -
lama e sem a porra dum isqueiro pra acender um cigarro. O álcool perdera o efeito. Tudo se tornava ainda mais
idiota. Minhas sensações corporais me pareciam mais claras, Meu sofrimento também. A inutilidade dos meus
pensamentos e a minha passividade diante deles me fez rir, e o riso me levou à tosse. Engasguei-me. Perdi um
pouco de fôlego. Tentei levantar para voltar para casa. O caminho estava mais deserto do que antes. Os carros
diminuiram de número, resumindo-se a pouco mais de um ou dois passantes num intervalo de um minuto. Quando
prostrei-me para fora do beco, uma luz impactante veio de algum lugar do céu, como um holofote que foca um
cantor em um palco. Vinha numa verticalidade tão grande que era difícil supor de onde saía e não se via
aviões ou helicópteros. O clarão, de tanta intensidade, despertou os dormentes, todos aqueles que não se
importavam mais com nada. Em pouco mais de alguns minutos, uma multidão observava comigo aquela anormalidade.
Era perfeitamente branca, num ângulo reto igualmente perfeito. Emanava um som selestial que ecoava na minha
cabeça assustadoramente. Um círculo formava o contato da luz com o asfalto. Um cerco luminoso que cabia apenas
uma pessoa e olhe lá. Por quais motivos não sei, mas dei um passo a frente, depois outro e outro, e decidi
caminhar para o foco da luz antes que outro o fizesse. A multidão observou impassível. O brilho envolveu meu
corpo de forma acalentadora. Não sei porquê, mas pensei novamente em tudo que me angustiava e então notei que
ali estava o super homem. A contravenção. O Deus Ex Machina que acabara de pedir. Engraçado, não? Até nos
momentos mais triste, a vida consegue fazer uma piada. A luz me ergueu no ar, me fazendo flutuar, enquanto
eu via brotar do chão criaturas que não consigo aqui descrever. Assassinas. Estupradoras de estupradores e
de não estupradores. Cobras, macacos, morcegos. Insetos grotescos e famintos. Uma nuvem de monstruosidade
saía do asfalto, esgotos e concretos, matando, destruindo, degolando. A luz me fez subir mais. Vi o planeta
de uma visão privilegiada. Uma onda de vermelho preencheu o globo, tingindo de escarlate os oceanos. Observei
tudo isso sem poder fazer nada.

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