terça-feira, 24 de junho de 2014

Não ser


Dizer aquilo que só o coração sente é como a impossibilidade de trapacear no jogo inconstante da morte. O oceano me chama sem que eu me aperceba e fisga minha alma, embargando a minha voz. Meus olhos molham. Existe um momento - um único e rápido momento - em que não é exatamente nem dia nem noite. Nem entardecer. É algo que não possui lugar ou tempo, mas mesmo assim é sentido. Sentado na grama à sombra do salgueiral, meus olhos clamam em desespero diante daquilo que não tem lugar. Um vento frio vem para a orla, dos confins do oceano, das geleiras glaciais, ganha feições tropicais e chega inundando as almas das pessoas solitárias e apertando o peito dos esquecidos. O desespero irremediável que me dominaria os membros, absorto em um delírio histérico, me preencheria durante toda a gélida e sombria noite, onde meu medo seria tão grande que não caberia dentro de mim. Talvez morrerei, não sei. Diante de tantas possibilidades, sinto apenas que de forma alguma continuarei a ser eu mesmo. Em contrapartida, a beleza e a ode à vida, que me eram tão reais e presentes no raiar do dia, ao canto do galo, evaporaram sem deixar muitos rastros, exceto um cheiro de saudade que me retira o verbo e embaraça a minha visão. O futuro me reserva a desventura da escuridão palpável e o passado agora é um retrato frio da alegria de outrora. Minha boca seca molha em vão os lábios. O não-ser não era,  e a maldição do inexplicável paira em mim, diante de um sol poente que não consegue representar dia, tarde ou noite. É só um momento. Um único momento, que em questão de segundos não mais existirá. Entretanto, ali estava eu, preso na indiferença do tempo, na ignorância do destino, naquilo que era o que eu jamais seria enquanto ainda fosse. Doeu tanto, de uma forma tão intensa, que pude perceber que sempre serei sozinho. Nada nem ninguém me faz companhia, e a inconsistência dos segundos acabara me prendendo no que nada prende. Talvez o tempo passe. Talvez a frigidez da noite me mate e eu renasça na glória do amanhecer. Talvez. Acho até que o tempo deva ter  de fato passado. Que as estações tenham passado por mim. Mas nada mais me pertencia e eu mesmo não pertencia mais a nada. Seja quando me levanto, seja quando me sento, permaneço presente na suprema ausência. Preso na eternidade de um segundo, chorando as lágrimas do não-entendimento. 

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